4. dez. 2017

Ato contra a corrupção convoca a sociedade

Os fatos recentes do cenário brasileiro evidenciam o grau de corrupção que ataca o país. O sistema de atos espúrios está enraizado de tal modo em partidos políticos, órgãos governamentais e no elo entre os mundos público e privado que, praticamente, já tem vida própria. Modificar o modus operandi que se instalou no Brasil é uma tarefa árdua e de longo prazo – mas não impossível, acreditam os engajados na causa do combate à corrupção. Mesmo que haja clima de ceticismo entre muitos cidadãos, o interesse em contribuir com a mudança de rumo é crescente. Em meio ao cenário de menor indiferença diante desses atos e de opinião pública cada vez mais atenta e crítica, no próximo Dia Internacional Contra a Corrupção, em 9 de dezembro, a OAB SP une forças com a Cúria Metropolitana e dezenas de instituições parceiras para organizar ato em defesa da ética e dos princípios republicanos. A cerimônia inter-religiosa acontecerá às 10h na Catedral da Sé. Representantes católicos, evangélicos, muçulmanos, judeus, budistas e das religiões de matriz africana marcarão presença, além de associações de advogados e de outras categorias, como a de economistas, comerciantes e de outras áreas do Direito, além de institutos como o Ethos, para citar poucos exemplos.

“A ideia é conscientizar as pessoas sobre o que podem e devem fazer na luta contra a corrupção. A sociedade civil tem papel fundamental na transformação do país”, resume Marcos da Costa, presidente da OAB SP. Os participantes assinam o Manifesto pela Ética e Contra a Corrupção, num sinal de compromisso de engajamento com o trabalho de conscientização das pessoas. “Há muitos modos de contribuir, como a denúncia aberta de fatos conhecidos de corrupção, a mobilização pública e a formação de uma cultura avessa à corrupção, a educação para a honestidade na vida privada e na vida pública”, diz o cardeal dom Odilo Scherer. “Estão surgindo iniciativas na sociedade para formar uma nova classe política, menos comprometida com os esquemas viciados da política brasileira. Já são sinais bons. Espero que consigam se afirmar mais e mais”, continua.

Especificamente no processo político as mudanças devem ocorrer, no mínimo, em três frentes: votar com mais qualidade; engajar-se mais no processo, de modo a contribuir com movimentos políticos – ajudando, por exemplo, a identificar novas lideranças –; e fiscalizando os mandatários após as eleições. Denominador comum entre os especialistas é que a pró-atividade e a presença da população são mais necessárias do que nunca no universo político brasileiro atual. Ao votar, é fundamental que as pessoas sejam mais criteriosas. A busca pela informação é fator-chave e a primeira atitude é identificar se o candidato tem a ficha limpa. “A escolha de candidatos que tenham uma vida pregressa ilibada, que firmem o compromisso de combater a corrupção e, acima de tudo, estejam engajados na realização da política visando o bem comum, independentemente de particularismos e questões partidárias, é um dos pilares da mudança necessária”, diz Marcos da Costa. Para votar com qualidade, também é preciso pressionar as campanhas por informações sobre o projeto de governo. Ademais, alertam entrevistados, toda essa atenção deve ser destinada para a escolha dos políticos que vão ocupar cargos tanto no Executivo como também no Legislativo. O alerta é dado porque, geralmente, os nomes que se candidatam para o Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas são comumente escolhidos sem a devida atenção e pesquisa. Tanto é que se torna comum o eleitor sequer lembrar de suas escolhas para deputados ou senadores.

A próxima oportunidade para pôr em prática uma nova forma de participar do processo eleitoral, em busca de renovação política, ocorre em 2018, quando o país vai escolher o novo presidente da República, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. Ainda no que diz respeito ao processo eleitoral, é queixa comum da população a falta de opções fora dos nomes tradicionais – muitos envolvidos em escândalos. “Ocorre que, apesar das iniciativas, sobretudo de grupos de jovens, para buscar novas alternativas de liderança, a grande maioria silenciosa ainda espera que tudo seja ofertado pelos partidos políticos”, diz o doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), José Álvaro Moisés. “Sendo o voto uma arma democrática eficaz para mudar o quadro, a identificação de novos nomes por parte da própria sociedade civil é parte importante de um processo de renovação”. De acordo com Moisés, é necessária mobilização mais ampla, ou seja, que um número maior de pessoas se envolva pró-ativamente no trabalho de revelar novas lideranças além de grupos de jovens – bastante ativos nesse momento. De modo geral, os entrevistados reafirmam que renovar não é movimento que se resolve em apenas um pleito, mas a população está cada vez mais atenta.

A conscientização provocada na esteira das manifestações de 2013 e no decorrer das investigações sobre denúncias de corrupção é mais do que oportuna para introduzir inovações. “Nesse contexto, a OAB tem um papel extraordinariamente importante”, comenta o cientista político. Para o especialista, as organizações da sociedade civil devem apresentar suas visões de país e debater de que modo tudo poderá ser canalizado para dentro do sistema político – dominado hoje por caciques partidários de grandes e médias legendas. Ao considerar apenas um recorte recente de atuações, a Ordem paulista apresentou propostas para a reforma política, elaborou um pacote de sugestões de combate à corrupção e inaugurou, em novembro, a Escola de Liderança e Cidadania (ELC). Em 7 de novembro houve uma aula inaugural ministrada pelo jurista e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Francisco Rezek. Os advogados querem contribuir para a formação de líderes interessados em participar do processo político e do universo público, desenvolvendo-se de modo a aplicar as melhores práticas políticas em um movimento construtivo para a democracia.

A escolha mais atenta e exigente dos mandatários no pleito eleitoral é fundamental, mas as pessoas precisam se conscientizar que isso não é suficiente. Não basta votar e deixar de pensar em política, abandonando, assim, o país nas mãos dos governos enquanto se resmunga ao assistir notícias negativas em noticiários. Fiscalizar os atos dos representantes escolhidos é um dever de todos os cidadãos, inclusive como parte do exercício da cidadania. “Normalmente isso acontece porque as pessoas pensam que ao votar e eleger alguém já está fazendo a sua parte. Mas não adianta depositar todas as expectativas apenas no processo eleitoral”, destaca Luciano Caparroz Pereira, presidente da Comissão contra Caixa Dois nas Campanhas Eleitorais da Secional. Caparroz também representa a OAB SP no Conselho de Transparência da Administração Pública do Estado de São Paulo. “A partir do ato de votar se espera que o representante eleito solucione todos os problemas, o que não acontece. O comportamento resulta no que vemos agora: a maior parte da população não se sente representada e está cada vez menos confiante de que isso possa ocorrer.”

Apesar da necessária reforma política, para o advogado há uma série de ferramentas já disponíveis à sociedade. Um importante instrumento, por exemplo, é a possibilidade de fiscalizar as contas públicas por meio da Lei de Acesso à Informação. É verdade que ainda há defasagem e nem todos os entes públicos divulgam informações suficientes, ou com a clareza necessária, em seus portais da transparência na internet. No entanto, uma série de iniciativas vem ganhando fôlego na sociedade civil com o intuito de fortalecer o acompanhamento das planilhas orçamentárias dos governos.

A própria OAB SP, por meio de comissões especializadas, faz parte desse cenário. O advogado Jorge Eluf, presidente da Comissão de Controle Social dos Gastos Públicos da Secional paulista, conta que a Ordem, por meio de Subseções, tem mantido parcerias e organiza diálogos para contribuir, sempre que possível, em esferas locais. Há municípios que possuem observatórios, por exemplo, que são iniciativas da sociedade nas quais os responsáveis passam pente fino nos portais de informações. O objetivo é acompanhar as contas locais, entre elas os processos licitatórios. Com isso a economia local acaba sendo beneficiada, assim como há o reforço da transparência.

“A Secional também formulou um pacote de 12 propostas contra a Corrupção”, lembra Eluf. Entre elas está a urgente necessidade de desburocratização, já que a burocracia abre espaço para a atuação de corruptos e corruptores. Na lista de medidas, elaboradas com intuito de prevenir e não apenas de punir, a Ordem também apresentou como sugestão a regulamentação do lobby e o fim da possibilidade de deputados e senadores pedirem afastamento do Legislativo para ocuparem cargos no Executivo.

No ano passado, a Secional instituiu um grupo de trabalho que reúne cinco comissões para auxiliar em estudos de diferentes vertentes sobre o problema, do qual faz parte a comissão presidida por Eluf. “Os membros têm atendido a presidência [da Secional] ao responder consultas em assuntos específicos relativos à corrupção”, diz Adib Kassouf Sad, presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB SP. “Recentemente, inclusive, estabelecemos parceria com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com o intuito de organizar eventos para levar valores e informações sobre a prática da boa política aos cidadãos”, conta Sad.

Para o cardeal dom Odilo, mesmo que o país tenha longa trajetória pela frente, é preciso manter firme a esperança. “A principal motivação que se deve ter é o senso de justiça e da retidão, que não se conforma com desmandos e malfeitos na política”, diz. “Vale a pena perseverar na promoção do que é bom, justo e honesto. A cidadania não pode conformar-se com uma política ruim nem com flagrantes delitos. Se é verdade que ‘a ocasião faz o ladrão’, a ocasião e o ambiente também podem ajudar a formar para a virtude e a honestidade”, finaliza.

Fonte: OABSP

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