15. mar. 2018

Grupo de estudos irá avaliar operações de securitização de créditos

A Comissão de Controle Social dos Gastos Públicos está capitaneando a formação de um grupo de trabalho cujo objetivo será estudar em que moldes estão ocorrendo operações de securitização de créditos no universo público. O trabalho será conduzido após apresentação realizada pela associação sem fins lucrativos Auditoria Cidadã da Dívida, em seminário sobre o tema realizado na Secional em outubro de 2017. “A iniciativa foi uma das conclusões a que chegamos ao final do seminário. Vamos reunir membros de Comissões da Ordem, da Auditoria Cidadã e advogados que atuaram na formatação de lei estadual que possibilita a securitização”, diz Jorge Eluf Neto, presidente da Comissão que conduz a tarefa. A expectativa é estruturar o grupo ainda nos primeiros meses do ano. Devem integrá-lo membros de comissões distintas da Ordem, entre elas, a de Direito Administrativo, presidida por Adib Kassouf Sad.

“A securitização de créditos envolve uma série de legislações e a ideia é estudar melhor o tema, tendo em vista que uma das incumbências da OAB é velar pela legalidade, princípios da ordem jurídica, da probidade e dos valores do Estado Democrático de Direito”, reforça Eluf. Segundo advogados, as operações consistem na cessão de créditos tributários pelo ente público, a fim de obter receita antecipada junto ao mercado financeiro. Quando auferidas as receitas, o dinheiro é, então, devolvido ao credor do setor privado. A operação está sendo feita por meio de empresas estatais não dependentes por meio da emissão de debêntures. De acordo com levantamento da Auditoria Cidadã, as operações estão desrespeitando legislações de finanças e a Constituição Federal. A coordenadora nacional da instituição, Maria Lucia Fattorelli, cita dois aspectos que classifica como graves. Primeiro, segundo ela, do modo como estruturadas, são operações de crédito disfarçadas e não autorizadas. “Para o Estado fazer um empréstimo é preciso obter autorização da Assembleia Legislativa. Este deve ser aprovado como uma operação de crédito, atendendo aos limites de endividamento do ente e é preciso dizer onde serão aplicados os recursos e quais as condições financeiras”, afirma. “Quem está tocando as operações não admite que são de crédito justamente porque nenhuma dessas exigências estão sendo cumpridas.”

O segundo aspecto importante, diz ela, é o fato de haver transferência, pela empresa que realiza a securitização de créditos, da propriedade do fluxo de arrecadação para os debenturistas. “Qualquer receita arrecadada pelo poder público, independentemente da natureza, se financeira, patrimonial, tributária, tem de chegar ao Orçamento e, de lá, ser distribuída estritamente de acordo com a Lei Orçamentária”. Segundo levantamento da Auditoria Cidadã, parte dos créditos recebidos não chegam ao orçamento público. “Os recursos ficam em conta vinculada à empresa, porém, parte do dinheiro vai direto aos debenturistas.” Em São Paulo, atua no segmento a Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), autorizada a operar pela Lei Estadual 13.723 de 2009. Segundo apresentou a Auditoria Cidadã, há pelo menos quatro companhias fora a paulista: em Minas Gerais (PBH Ativos S/A), em Porto Alegre (InvestPOA), Recife (Recda) e Salvador (CEDMS).

“O aprofundamento no tema é imprescindível. Há necessidade de respeitar os princípios da administração pública, especialmente na verificação do atendimento, ou não, do interesse público nas operações de securitização, para que o discurso de obtenção de receitas antecipadas – até por força da crise – não venha simplesmente para atender aos interesses de players do mercado financeiro. A defesa do patrimônio público é premissa irrenunciável”, diz Adib Kassouf Sad, presidente da Comissão de Direito Administrativo. “O tema tem de ser debatido em nível nacional, por meio de projeto de lei, no lugar adequado, à luz da sociedade, que é o parlamento.”

Sem garantias
O sócio do Machado Meyer Advogados, Lucas Sant’Anna, diz que essas operações não se configuram como sendo de crédito devido à ausência de garantias de adimplemento por parte do poder público. Sant’Anna defende o diretor presidente da CPSEC, Jorge Avila, em uma ação popular que questiona a lei estadual que permite a securitização dos ativos. “Trata-se de uma dúvida razoável, mas não é uma operação de crédito”, reforça. “Há artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal que descaracterizam a cessão de créditos sem garantia como operações de crédito”. Sant’Anna explica que o Estado não garante em momento algum que o investidor irá receber os valores transferidos à CPSEC. Ele observa que mesmo se fossem realizadas operações de crédito, o Estado precisaria de autorização, mas não a companhia.

De acordo com o advogado, a CPSEC emite debêntures que correspondem a fatias do estoque da dívida ativa cedidas onerosamente à companhia pelo Estado paulista. A empresa opera de acordo com a Lei Estadual 13.723 de 2009. “É como se o Estado vendesse uma parte da dívida ativa dele para a companhia, que por sua vez vai fazer o pagamento ao poder público com os recursos recebidos a partir das operações de debêntures.” A CPSEC vende os títulos a investidores que receberão o dinheiro de volta em alguns anos, à medida que o contribuinte for quitando suas dívidas com o ente público. “Nesse contexto, o Estado não está garantindo com dinheiro público que vai pagar o default, se houver, ao investidor. O debenturista toma o risco.” O advogado lembra que houve, no passado, em outros Estados ou municípios, operações de securitização de dívida ativa em que havia garantias dadas por parte do poder público, mas estas foram barradas pelo Tribunal de Contas.

Ainda sobre a segunda crítica feita pela Auditoria Cidadã, ele diz que é parte da engenharia de fluxo de pagamentos estruturada pela CPSEC. “O poder público, com autorização e dentro de uma estrutura legal, cedeu aquele crédito à CPSEC, que por sua vez monta a estrutura de pagamentos com esse fluxo”. Quando o contribuinte faz o pagamento ao ente, o debenturista, que não obteve garantias do Estado na operação, recebe, e o restante dos recursos é liberado para a companhia.

Hoje tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que envolvem a cessão, por parte dos entes públicos, de direitos creditórios originados de crédito tributário ou não a pessoas jurídicas de direito privado. O mais recente é o Projeto de Lei do Senado (PLS) 204, de 2016 (agora PLP 459/2017), remetido em dezembro à Câmara dos Deputados. De acordo com a Auditoria Cidadã há, ainda, projetos como o PLP 181 e o PL 3.337, ambos de 2015. Segundo Maria Lúcia, a Auditoria Cidadã visitou todos os gabinetes de senadores e a instituição fez interpelação judicial relacionada ao PL mais recente. “O texto é cifrado e visa legalizar um esquema fraudulento e mascarado como securitização de créditos”.

Fonte: OAB SP

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