O teletrabalho foi adotado de forma emergencial por diversas empresas devido à pandemia de Covid-19. E com isso, os processos trabalhistas envolvendo questões do teletrabalho cresceram 270% durante o auge da pandemia. Na Câmara dos Deputados, diversas propostas tentam regular a modalidade de trabalho, mas ainda parecem distante de chegarem a uma lei.
Em uma tentativa de orientar as empresas a procederem em meio a incertezas, o Ministério Público do Trabalho (MPT) lançou recentemente uma nota técnica com vários itens que devem ser observados no teletrabalho. Entre eles, a privacidade da família, a ergonomia para o trabalhador e o direito à desconexão. No entanto, o documento foi criticado por extrapolar o que está previsto judicialmente, saindo do papel do Ministério de apenas fiscalizar as leis.
Para o jurista Ives Gandra, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, não compete ao MPT legislar sobre o teletrabalho, porque ele tem que ser analisado caso a caso, em contratos individuais ou negociação coletiva.
Uma regulamentação teria que vir por lei, e a Câmara dos Deputados tem várias propostas. No entanto, especialistas divergem entre ter uma regulamentação mais robusta ou alguns ajustes. Para Michelle Pimenta Dezidério, especialista em Direito do Trabalho, associada do Chediak Advogados, é preciso ter uma legislação bem específica.
— A legislação trabalhista não prevê nada como o home office. A reforma trabalhista de 2017 só trouxe o teletrabalho, que seria 100% em casa. Que não tem controle de jornada. E isso traz discussões porque é possível sim ter controle de jornada. E muita gente está alegando que trabalha mais que antes – argumenta.
Já para Maria Lucia Benhame, advogada trabalhista socia do Benhame Sociedade de Advogados, a lei já prevê a questão do trabalho remoto, mas faltam alguns ajustes.
— Hoje a questão tem sido tratada com negociação entre as parte e sindicatos, nem tudo precisa de uma legislação ampla. Em relação ao trabalho em domicílio está previsto já no artigo 6 da CLT, que diz que valem todas as regras do trabalho fora de casa. Segurança do trabalho é mais complicado e é preciso esclarecer a questão sindical em qualquer lugar.
Diversos projetos de lei em discussão são bastante amplos nos direitos dos empregados. Algumas propostas determinam que o teletrabalho deva ter controle de jornada e seguir a legislação da CLT e que as empresas devem fornecer toda a infraestrutura necessária para o trabalho.
É o caso do Projeto de Lei 3915/20, do deputado Bosco Costa (PL-SE). Segundo ele, a tecnologia já permite ao empregador controlar a jornada de trabalho mesmo de longe e essa exceção pode levar a um abuso na jornada de teletrabalho. E, também, do Projeto de Lei 4831/20, do deputado João Daniel (PT-SE).
“Ao apresentarmos o PL 4831/20 buscamos garantir o cumprimento da carga horária, a estrutura de trabalho como o computador, a internet, a linha telefônica e etc, o pagamento de horas extras de modo que esses trabalhadores não sejam super explorados. Além disso quaisquer alterações nas regras previstas para o teletrabalho deverão ser realizadas por meio de acordo ou convenção coletiva de Trabalho para assegurar a participação do sindicato profissional na defesa e proteção de sua categoria”, afirmou o deputado João Daniel.
Já uma proposta do deputado Cleber Verde (Republicanos-MA) vai além e estabelece que as firmas são, sim, responsáveis por acidentes de trabalho que ocorram em casa
Um dos projetos mais extensos sobre o assunto é o do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). O texto prevê detalhar na legislação regras para trabalho parte em casa e parte no escritório e normas para a aquisição e manutenção dos equipamentos por parte dos empregadores e uso e também o uso pelos empregados. Se propõe até mesmo a possibilidade de as firmas realizarem vistorias nas casas dos trabalhadores.
— É preciso ter uma legislação clara e atual, tanto para os empregados, nos aspectos físico, mental e em razão dos riscos à saúde, quanto aos empregadores, por causa da insegurança jurídica decorrente de lacunas na legislação. Entre muitos assuntos que engloba o projeto, um dos principais é sobre o custeio por parte do empregador para equipamento e infraestrutura básica necessária para a prestação do serviço pelo empregado, dando mais condição para que o trabalhador consiga executar seu serviço da melhor maneira possível – afirma o deputado.
Para a advogada Maria Lucia Benhame, os projetos não estão trazendo inovações e estão distantes de boa parte do que realmente será necessário no pós-pandemia.
— Hoje vivemos uma situação atípica. O que acontece na pandemia não necessariamente deve pautar o que vai acontecer depois. Poucos são os trabalhos que serão remotos, e quando o são, em grande parte pode ser pelo desejo do próprio empregado, que vai estar preparado para isso. Para começar, a pessoa tem o direito de trabalhar de onde quiser e não apenas de sua casa. Deveriam estar se perguntando o que será o trabalho a distância daqui a 5, 10 anos e tirar a oportunidade para ter uma lei mais moderna a frente.
Já para advogada Michelle Pimenta Dezidério, a CLT deveria ter uma lei geral, mas permitir também contratos atípicos, como freelancers e outras modalidades. E enquanto há um limbo na questão, a recomendação é a empresa pagar por todos os custos.
— O ideal é que o assunto fosse prioridade. Hoje não tem lei sobre isso, e isso gera muitos problemas. Mas sabemos que é algo polêmico, deve demorar para sair uma legislação. Todo empregado pode reclamar até cinco anos depois por custos indevidos, como horas extras, ou auxílio de custos de internet e infraestrutura. Por isso, a orientação aos empregadores é que eles custem todas as despesas do home office façam o controle da jornada do empregado.
Fonte: Extra