Na manhã da última quinta-feira (17/03), na sede da OAB SP, advogados, profissionais da área da saúde e pacientes oncológicos reuniram-se para debater o acesso e uso da fosfoetanolamina – substância que ficou conhecida como pílula do câncer. A 1ª audiência pública sobre o tema ocorreu na esteira de eventos anteriores similares sobre questões relevantes para a sociedade. “Também é nosso papel abrir as portas para mediar debates que ajudem a sociedade civil a encontrar desfechos para questões vitais como essa”, diz Marcos da Costa, presidente da Secional paulista. O produto ainda está em fase de testes e não foi liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que tem levado à movimentação no Judiciário e universo científico. Hoje, a única maneira de obter o produto é via liminar judicial apresentada à Universidade de São Paulo (USP), onde é fabricado e os estudos tiveram início.
Pela amplitude do tema, o primeiro encontro promovido pela OAB SP nesse campo durou mais de três horas. Na visão de Martim Sampaio, diretor da Comissão de Direitos Humanos da Secional paulista, houve importante avanço. “A vitória hoje foi compreender os principais obstáculos. Creio que houve unanimidade, por exemplo, sobre o fato que a USP não tem condições econômicas e estruturais (de seguir com o fornecimento) e essa é uma obrigação que o Estado deve assumir”. Depois do encontro, o próximo passo será formar um grupo, aberto à participação de interessados da sociedade, para formular um conjunto de propostas que ajude no avanço da questão. Quando pronto, o pacote de iniciativas será apresentado à diretoria da OAB SP para que então sejam tomadas providências.
Durante a audiência pública foram avaliados os aspectos jurídico, médico e econômico da questão. Além disso, fatos que explicam o fornecimento da substância antes de aprovada foram apresentados. O direito de acesso ao produto e os argumentos utilizados pelas partes no Judiciário para obtê-lo foram motivo de debate. Isso porque, explicam os advogados, direitos fundamentais têm colidido. Se por um lado os que pleiteiam a substância na Justiça recorrem ao argumento do direito à vida, determinado pela Constituição Federal, por outro, o Estado justifica que é seu dever, e também um direito do cidadão, que a saúde das pessoas seja garantida – visto que a substância ainda está em avaliação. “Prevaleceu, não entre todos mas na visão da maioria presente, a importância do direito à vida”, comentou Sampaio. Boa parte dessas pessoas são pacientes ou parentes e advogados de pessoas em tratamento.
Risco da judicialização
A plateia se manifestou após especialistas da área médica e procuradores da USP. O professor Gilberto Chierice, aposentado do Instituto de Química da USP em São Carlos e responsável pelo início e condução dos estudos na universidade, também forneceu informações durante a audiência pública. Na ocasião, o médico Braulio Luna Filho, professor, pesquisador e atual presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), reafirmou o ponto de vista científico. “O câncer é uma doença multifatorial, há várias causas, e a droga foi fornecida aparentemente até para os tipos mais complicados. Mas cadê o controle e o acompanhamento científico disso?”, questionou. O presidente do Cremesp acrescentou que, como não há evidência científica para distribuir a substância para a população em geral, os médicos que receitam a fosfoetanolamina correm risco de processo por má prática médica. “Isso pode ocorrer se receitas com essa prescrição chegarem a conhecimento do Conselho de Medicina”, afirmou.
Além disso, Luna Filho fez duras críticas à postura da Justiça. “Não há justificativa para juízes se intrometerem nessa seara, eles não entendem de ciência”, pontuou. “Eles (juízes) estão defendendo que direito? O (direito) das pessoas enganarem a si mesmas?”. Na avaliação do médico, há um sério problema de judicialização da medicina no estado de São Paulo. Segundo ele, juízes têm demandado tratamentos sem que haja evidências de que uma droga é melhor do que outra em diversos tipos de casos. Sobre a fosfoetanolamina especificamente, ainda não há definição – o que ocorre com os testes – de prescrição de dose correta, por exemplo.
Com opinião similar, a procuradora da USP, Maria Paula Dallari Bucci, mostrou preocupação com o volume de decisões judiciais que chegam à instituição. Até fevereiro, a universidade tinha recebido 15 mil ações – provenientes de todo o país. “A Justiça está determinando busca e apreensão, sequestro de renda da USP e uma série de outras medidas”, disse. “Acho algo grave o fato de a Justiça se tornar canal de distribuição de medicamentos”. Ela lembra que isso não acontece apenas com a fosfoetanolamina, mas que, nesse caso, o movimento dos juízes se destaca. “Os juízes brasileiros têm critério, mas há uma emoção (ao proferir decisões) que põe em risco a vida das pessoas”.
Futuro
Chierice afirmou na audiência pública que existe comprovação por parte dos Ministérios da Saúde e Ciência e Tecnologia, ainda não divulgada, de que a substância não é tóxica. O deputado estadual Roberto Massafera, formado pela USP e conhecido do professor há algumas décadas, também presente ao evento, disse que o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) vai fazer testes em humanos. A pesquisa, segundo o deputado, vai ocorrer na fase 3 (quando se testa a eficácia em grande número de pessoas). De acordo com o político, será selecionado universo de mil pacientes com dez tipos de câncer diferentes e a produção deve ser feita pela Fundação Remédio o Popular (Furp), de Araraquara (SP).
Fonte: OAB SP