24. jul. 2020

Advocacia pós-pandemia: o “novo normal” é mesmo novo?

A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) moldou o panorama das relações sociais e de trabalho em 2020, forçando-nos a recorrer a recursos e medidas que, para algumas pessoas e empresas, eram vistas como alternativas. Porém, para outros, a vida digital já era regra – ou, pelo menos, já fazia parte de seu dia a dia, por meio de ferramentas como videoconferências e contratos digitais.

A necessidade de medidas de distanciamento social colocou essas ferramentas digitais no centro das discussões, quando o assunto é o futuro dos negócios, ou até mesmo a sobrevivência deles enquanto a pandemia durar.

Este seria “o novo normal”: uma realidade em que o cuidado com o próximo significa estar um pouco menos próximo, fisicamente, e usando da tecnologia para fazer contato, negócios e resolver problemas.

Mas quão “novo” é esse “normal”?

Na advocacia, por exemplo, os riscos trazidos pela pandemia certamente aceleraram a transição do presencial para o digital – porém, para uma grande parcela da comunidade jurídica, a etapa de adaptação já foi finalizada. As necessidades trazidas pela pandemia estão a um passo além do uso de ferramentas digitais: o desafio agora é separar o que pode ser automatizado do que não dispensa um toque humanizado.

Advocacia 4.0 já era uma realidade antes da pandemia

Em entrevista ao jornal Financial Times, o advogado Danny Ong, do escritório singapurense Rajah & Tann, disse: “Quando o Covid-19 aconteceu, nós tivemos que adaptar muito pouco, pois já tínhamos toda a tecnologia e as ferramentas no lugar”.

Assim como para este escritório, a incorporação de tecnologias à prática advocatícia já era familiar para muitos, antes mesmo do início da pandemia.

Desde o processo eletrônico, com peticionamento digital e realização de audiências por videoconferência, até o uso de robôs assistentes customizados, como os da empresa OYSTR, todos esses recursos já faziam parte da chamada “advocacia 4.0”, a realidade advocatícia na qual a informação e a realização dos atos é cada vez mais fluida, menos dependente de meios tangíveis ou da presença pessoal das partes.

Domínio da tecnologia é uma das competências básicas para o advogado contemporâneo

Tão importante quanto a formação acadêmica e o conhecimento jurídico, a sobrevivência e o sucesso de um advogado depende igualmente do domínio de diversas competências que não são exclusividade do mundo jurídico, tais como: noções de empreendedorismo, gestão de escritório, gestão de pessoas, marketing pessoal – e, sobretudo, domínio das tecnologias.

Nos Estados Unidos, em 2012, a American Bar Association (órgão de classe dos advogados) aprovou uma mudança no documento oficial sobre regras de conduta profissional, passando a prever para os advogados o dever de ter competência em tecnologia, tanto quanto o conhecimento da legislação.

No Brasil, naturalmente, o exemplo mostra mais nitidamente o quanto a competência tecnológica é indispensável é o manejo do processo eletrônico, introduzido na legislação brasileira em 2006,.

Hoje, a maioria dos Tribunais já opera de forma 100% digital, não restando outra opção aos advogados a não ser buscarem o domínio desta ferramenta e de todas as outras correlacionadas, como o peticionamento e assinatura digital. Advogados com menos tempo de experiência e de formação acadêmica sequer conhecem outra realidade.

O “novo normal”, portanto, é normal demais para ser considerado novo.

O futuro da realidade digital

Falar em “novo normal” é ignorar que, apesar das tristes condições que nos forçaram a apressar essa adaptação, várias profissões já estavam caminhando para uma abordagem mais digital há muito tempo.

O que a pandemia tem obrigado os profissionais a perceber é que esta adaptação não tem volta.

Na Medicina, por exemplo, há médicos que dizem que, mesmo após a pandemia, vão querer continuar trabalhando com robôs. No mercado, em geral, há empresas que já visualizam os benefícios financeiros e de produtividade do teletrabalho.

Na advocacia, não é diferente.

Se houver alguma diferença, será na forma como as ferramentas já utilizadas pelos advogados poderão se tornar mais humanas. Por exemplo, segundo o Financial Times, já se fala em possibilidades de treinamento para advogados interpretarem linguagem corporal especificamente voltada para videoconferências.

Além disso, o uso de tecnologias de suporte ao trabalho dos advogados não será a única mudança que será vista.

Outras ferramentas e situações jurídicas digitais surgirão, ou, os que já existem passarão a ser ainda mais comuns, como, por exemplo, as moedas digitais, os eventos realizados em ambientes digitais, a criação de obras intelectuais de forma digital, entre outros exemplos.

Dessa forma, o cenário no qual praticamente qualquer coisa possa ser feita à distância, por meio de tecnologias, vai seguir impactando a sociedade e exigindo um novo olhar profissional, a partir do momento em que elas se transformarem em situações jurídicas que exigem o trabalho do advogado.

Separando o humano do digital

Uma vez que o desafio dos advogados será manter o aspecto humano, mesmo estando rodeados de tecnologia, é essencial que primeiramente se separe o que pode e deve ser feito por um ser humano, e o que pode ser automatizado.

Rotinas administrativas, atividades burocráticas ou que não requerem alta dose de personalização, criatividade, estratégia ou tomada de decisão pessoal, podem ser realizadas por softwares e robôs.

Além de deixarem mais tempo livre para os advogados se concentrarem em atividades personalíssimas, os softwares de automação e a automação robótica de processos (RPA) podem ser excelentes alternativas para a redução de custos e um melhor emprego dos recursos humanos do escritório, não apenas dos advogados – até porque a excelência no atendimento será cada vez mais importante.

São essas sutis diferenças que exigirão maior esforço na advocacia pós-pandemia. A tecnologia continuará se incorporando naturalmente na rotina e na vida pessoal de todos, mas manter uma comunicação humanizada será uma prioridade maior ainda na medida em que a presença física não é mais essencial.

Fonte: Terra

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