O combate à corrupção ganhou atenção de participantes do painel 26 durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia, realizada no Parque de Exposições do Anhembi, em São Paulo. Com a presença de advogados, dirigentes de Ordem, políticos e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, foram citados o patrimonialismo e a cultura da desigualdade entre as causas históricas do problema, além da atual estruturação do sistema político brasileiro e dos altos níveis de burocracia.
De tão arraigada, a corrupção sistêmica profissionalizada envolveu agentes privados, estatais e políticos em nível de contágio espantoso até mesmo para um país que vive esse mal desde os tempos de colônia de Portugal. Para expositores, não é uma tarefa fácil romper com a atual realidade brasileira. Mas há quem veja os desafios com otimismo, à medida que a sociedade desperta e há busca por melhorias na revisão de leis e jurisprudências. Os esforços para atacar a origem da corrupção, lastreada na cultura de levar vantagem, devem ser reforçados, acentuam especialistas. O deputado Rodrigo Pacheco, presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados – e um dos palestrantes, disse que o Congresso reúne hoje cerca de 905 proposições legislativas sobre o tema.
O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-presidente da Secional paulista da Ordem, fez observações a respeito das origens da corrupção e do papel da mídia diante do cenário de cultura punitiva vivido pela sociedade brasileira. Além disso, fez críticas à postura de juízes, promotores e até mesmo de advogados que têm se manifestado com frequência sobre casos à mídia. “Aprendi que temos de falar nos autos”, diz. “Vivemos um momento em que se quer transformar a missão de juízes de direito em combatentes de crimes. Eles não combatem crimes, se o fizerem, vão perder a imparcialidade”.
Mariz fez elogios à cobertura da imprensa reconhecendo que o trabalho contribuiu para descortinar atos espúrios. Mas acrescenta que o papel do trabalho da imprensa precisa ser posto na mesa. “Nós, advogados, lutamos muito durante a ditadura para que fosse restituída a liberdade de imprensa, mas o direito de informar não é da imprensa é da sociedade de ser informado e não vale qualquer informação. É necessário inquirir a verdade e publicá-la depois”.
Ainda para Mariz, estão enganados aqueles que entendem que devem amparar a cultura que prega a cadeia como solução. Quem aplaude a punição, diz, esquece-se de olhar para as causas que levam a cometer crimes e que, além disso, o sistema prisional do país trabalha contra os seus próprios objetivos. “As pessoas entram na cadeia com uma capacidade de crime e saem de lá com o grau aumentado desse mesmo potencial”, sublinha.
Atacar a causa seria concentrar-se na origem do que leva a cometer crimes, sobretudo no que diz respeito à corrupção: a cultura de levar vantagem. Existente no dia a dia, o ‘jeitinho brasileiro’ é o embrião do mal vivido pelo Brasil em larga escala hoje. “O garoto ensinado a comprar filme pirata, essa criança terá aculturada o germe da corrupção e isso não estamos atacando. Nenhuma mudança ética tem sido feita”, disse o advogado. “Insistimos que cadeia é a única resposta possível ao crime, mas não é. Há outras alternativas como a educação ética e moral, além de mecanismos de proteção ao erário”, afirma. “Nós só passamos a nos preocupar com crianças abandonadas quando passaram a nos assaltar. Só que a nossa preocupação não foi pra suprir as carências dela, mas pra colocá-la na cadeia, pensando em reduzir a maioridade penal”.
Corrupção e foro na visão de ministro do STF
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, listou causas da origem da corrupção e de que modo vê possível seu combate. “A cultura de desigualdade da qual não conseguimos nos libertar, talvez por força de nossa herança escravocrata, dessa ideia de que a lei é para os outros e não para os especiais como eu, cria um país em que não se distribui direitos para todos. As pessoas correm atrás de privilégios porque querem ser diferentes e precisamos ir em busca de um país em que as pessoas queiram ser iguais”, avalia.
Fora as origens culturais da corrupção, Barroso cita duas causas que chama de imediatas. Segundo ele, a primeira delas está no sistema político que induz à criminalidade e acaba por extrair o pior das pessoas. “No sistema de governo, temos um modelo de presidencialismo de coalizão que induz ao fisiologismo e ao mecanismo de cooptação que leva a uma certa distribuição privada de recursos públicos”, cita.
Em linha com Mariz, Barroso acredita que o combate à corrupção se dá respeitando a Constituição Federal, o direito de defesa, com boa educação desde a primeira idade, com distribuição justa de riquezas e debate público de qualidade em busca das melhores soluções. “Não se muda o mundo com Direito Penal e com exacerbação de penas e vingadores mascarados”, diz. “Um Direito Penal seletivo e incapaz de alcançar qualquer pessoa que ganhasse mais de cinco salários mínimos criou país de ricos delinquentes, um país de corrupção ativa, passiva, peculato, evasão, fraude em licitações”.
Apesar do cenário vivido, para o ministro o país caminha. Ele vê com otimismo a mudança de atitude em relação à corrupção, quando a sociedade deixa de aceitar o inaceitável. “Isso está fazendo com que haja mudanças na legislação, em instituições e na jurisprudência. Essa é a energia que muda paradigmas e empurra a história. Estamos mudando o patamar da ética pública e privada”. O presidente da OAB Nacional, Claudio Lamachia, disse, em sintonia com o ministro, que não se busca ‘demonização da política’, mas sim depuração da classe política. “Precisamos buscar a real representação da democracia brasileira, com políticos comprometidos com a causa pública”, defende Lamachia.
Na ocasião, Barroso também falou sobre foro privilegiado. Disse que, na profundidade que existe no Brasil, não há contrapartida em parte alguma do mundo e que o debate para mudar não é o mesmo que demonizar a política, mas ir de encontro às melhorias necessárias. Para o ministro, o foro não tem sido boa experiência aqui porque não é republicano ou igualitário, já que causa mal estar na sociedade – que o percebe como um privilégio gerador de impunidade. Além disso, diz, há um problema estrutural. “Supremas cortes não são feitas para funcionarem como juízes criminais de primeiro grau. Mais uma razão é o fato de o foro ser disfuncional no Supremo, por força da legislação, e ter trazido grande quantidade de impunidade”, continua.
Ele diz que a disfuncionalidade já levou a mais de 200 casos de prescrição e que o Supremo reúne mais de 500 processos sobre foro por prerrogativa de função. É, diz, mais do que o volume julgado pela Suprema Corte americana nos últimos cinco anos. “Mas para não vender ilusões é preciso dizer que o fim do foro resolve o problema do Supremo: de politização indevida e de desprestígio por conta dos prazos”. Para o problema da impunidade será preciso revisitar o sistema penal e processual penal.
Penas alternativas
A advogada paulista Dora Cavalcanti, em seguida, abordou meios de prova em matéria criminal. Um dos pontos que destacou foi a necessidade de se desenhar nova política de penas alternativas. Ela questiona, por exemplo, a eficácia do uso de tornozeleiras eletrônicas para a recuperação e a ressocialização.
Participaram do painel os advogados Eduardo Augusto, presidente da Comissão Especial de Combate à Pirataria da OAB SP, e Darci Rebelo. A mesa foi presidida por Bernardo Cabral e pela advogada Márcia Melaré.